29 de abril de 2013

Violetas


          A janela estava embaçada e ela dormia. Seu sono era nervoso, irrequieto. Mesmo assim ela não acordou quando ele abriu a porta. Havia algum tempo que não conseguia levantar do sofá, então considerou a ideia de que cochilar um pouco poderia lhe fazer bem. Estava tão cansada que o toque macio do travesseiro sujo parecia suave, quase gentil sob seu rosto. Adormeceu no mesmo instante em que fechou os olhos.

          Deixou sobre a mesa, ao lado do abajur de porcelana verde, o relógio que tinha há anos. Presente de sua avó, ele até então não apresentava um arranhão sequer, perfeito e funcional. Certeiro. Restava também, meio fria, uma xícara de chá pela metade, com o líquido âmbar, estagnado e refletindo a luz que entrava pela janela sem cortinas. As violetas precisavam de água, mas ela não estava disposta a lidar com seu regador amarelo, isso poderia ficar para depois. Além do mais, elas não floriam há tanto tempo que ela nem sabia mais quais eram suas cores.

          Mas eram rosas, todas elas. Combinavam com seu cabelo escuro e seus olhos tão cansados, sempre atentos. Tristes demais para sua idade, seus sonhos. As flores delicadas não combinavam com os hematomas em sua pele e tampouco com os pequenos cortes em sua boca. Decididamente não combinavam com a cartela de comprimidos vazia no chão, abandonada.

          Ela acordou quando a lâmina a acertou a primeira vez, nas costas. Tentou gritar, mas sentiu como se não tivesse ar em seus pulmões. Era esguia, conseguiu em um pulo cair atrás do sofá bege, manchando-o. Colocou-se de joelhos quando a faca a atingiu no ombro esquerdo. Dessa vez pode gritar. Levantou, fraquejou, correu para a cozinha. Tudo estava girando a sua volta, estava tingindo a casa de vermelho. Caiu, e apenas sentiu dor. 

          Antes do escuro avançar, olhou  em direção a janela e, claramente, pensou no que aconteceria com suas violetas.


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