A janela
estava embaçada e ela dormia. Seu sono era nervoso, irrequieto. Mesmo assim ela
não acordou quando ele abriu a porta. Havia algum tempo que não conseguia
levantar do sofá, então considerou a ideia de que cochilar um pouco poderia lhe
fazer bem. Estava tão cansada que o toque macio do travesseiro sujo parecia
suave, quase gentil sob seu rosto. Adormeceu no mesmo instante em que fechou os
olhos.
Deixou sobre
a mesa, ao lado do abajur de porcelana verde, o relógio que tinha há anos.
Presente de sua avó, ele até então não apresentava um arranhão sequer, perfeito
e funcional. Certeiro. Restava também, meio fria, uma xícara de chá pela
metade, com o líquido âmbar, estagnado e refletindo a luz que entrava pela
janela sem cortinas. As violetas precisavam de água, mas ela não estava
disposta a lidar com seu regador amarelo, isso poderia ficar para depois. Além
do mais, elas não floriam há tanto tempo que ela nem sabia mais quais eram suas
cores.
Mas eram
rosas, todas elas. Combinavam com seu cabelo escuro e seus olhos tão cansados,
sempre atentos. Tristes demais para sua idade, seus sonhos. As flores delicadas
não combinavam com os hematomas em sua pele e tampouco com os pequenos cortes
em sua boca. Decididamente não combinavam com a cartela de comprimidos vazia no
chão, abandonada.
Ela acordou
quando a lâmina a acertou a primeira vez, nas costas. Tentou gritar, mas sentiu
como se não tivesse ar em seus pulmões. Era esguia, conseguiu em um pulo cair
atrás do sofá bege, manchando-o. Colocou-se de joelhos quando a faca a atingiu
no ombro esquerdo. Dessa vez pode gritar. Levantou, fraquejou, correu para a
cozinha. Tudo estava girando a sua volta, estava tingindo a casa de vermelho. Caiu,
e apenas sentiu dor.
Antes do
escuro avançar, olhou em direção a janela e, claramente, pensou no que
aconteceria com suas violetas.
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