4 de janeiro de 2015

Crianças do mar brincam à noite

Era noite, uma fria noite de inverno naquela pequena cidade litorânea. Mesmo no calor, quando essas cidades costumam prosperar com aqueles que vêm em fuga, não são muitos os habitantes. Um lugar melancólico, desolado, onde quase tudo o que se houve é o mar. Mas não esta noite, pois hoje é noite das crianças saírem para brincar.
Elas vêm da praia, onde na água foram feitos os seus túmulos. Algumas são antigas, outras ainda não haviam sido ouvidas (talvez uma lembrança das últimas temporadas). Todos as conhecem, todos ouvem as suas risadas, os seus choros infantis, e todos as temem. Hoje à noite, as portas estão muito bem trancadas. Elas sempre aparecem em outras épocas, nunca no verão, somente quando a vida ali é quase rara. Aqueles que vêm na temporada do encanto não fazem ideia de como é viver ali quando as férias acabam e as casas voltam a ser abandonadas.
As crianças sempre aparecem; em alguns anos com mais frequência do que em outros. Houve anos em que elas não vieram, mas em algum momento, elas sempre saem para brincar, todas aquelas que foram levadas pelo mar. Aquela praia sempre fora estranha, a vida ali nunca foi completa, pois a morte sempre esteve presente em cada pedaço da cidade. Nenhuma criança deveria morrer naquelas águas, pois elas sempre voltam. Às vezes apenas andam pelas ruas, tentam entrar nas casas, assustam os moradores e se divertem, na eterna infância a que foram condenados. Outras vezes, porém, elas levam alguém junto.
Um celular toca na rua escura e quase completamente deserta. Um adolescente atende, um dos poucos que aquele lugar possui. O álcool age em seu organismo, havia sido uma noite divertida. Pobre rapaz, ele não voltará para casa. Os moradores ouvem gritos, que competem com as risadas e exclamações de alegria das crianças. Elas encontraram alguém, e o arrastarão para o mar. Assim que o novo dia começar, a vida ali voltará ao seu curso. Logo as pessoas nem pensariam mais nisso, mas a morte ainda estaria ali. Nas casas vendidas, nas mudanças de vizinhos, na escola de poucos alunos, soprando com o vento forte. Todos queriam partir, mas alguns não tinham condições de simplesmente poder ir embora. No fundo, todos desejariam que o calor chegasse logo, trazendo a vida, habitando as casas, e então todos estariam seguros. Naquele lugar, o verão deveria ser eterno.


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