5 de maio de 2013

Fuga Baldada


      O jovem sentando no banco de madeira velha não sabia como aquilo aconteceu. Em um piscar de olhos, o mesmo problema havia se instalado como da primeira vez. Esperava o trem pela manhã, certo de que quando ele chegasse e suas portas de metal se abrissem, poderia entrar com a cabeça baixa. Ninguém se senta ao seu lado então ele lê um livro velho. Deseja desesperadamente viver a história que os personagens contam, pois julga serem diferentes da que ele mesmo vive. Mas o tema parece tão mínimo. Estica as pernas, olha para cima e fecha os olhos, ouve o ambiente e as vozes que o cercam. Mas estão todas tão distantes e sem sentido, nada dizem de verdade.

      Deveria ter previsto, deveria saber que ele o encontraria. O perseguidor o encontrou pela segunda vez. Ele é sagaz, difícil de enganar. O jovem tentou desaparecer, se tornar invisível, camuflar-se no ambiente e nas paredes brancas. Mudou a postura, o tom de voz. Mas não seria um cabelo diferente ou um sorriso fácil que burlaria seu destino e desviaria aquele que o caçava. Porque ele conhecia os seus segredos e sabia que a ferida que o jovem carregava na pele não cicatrizava nunca. Na primeira vez, com uma perversão calma e paciente, ele tocava nas ataduras e as puxava, expondo o sangue que fluía lentamente. Ele se contorceu e tentou correr, mas entregou-se a uma verdade suja. As lágrimas estavam secando quando o jovem levantou-se e, segurando os ferimentos, correu. Mas ele correu sem forças, correu contra a própria vontade, correu porque foi puxado. Como uma marionete que anda porque a fazem andar, ele apenas viveu porque queriam que ele vivesse. Ninguém pergunta ao boneco de madeira o que ele deseja.

      O som dos trilhos vibrantes começava a se elevar, pessoas estranhas se aproximavam da linha amarela. O perseguidor estava ao seu lado. O jovem desejava vê-lo longe, mas como da primeira vez, ele suplicava por sua companhia, porque naquele paradoxo, seu carrasco era a lembrança de que ele ainda vivia. Ele representava a fina corda de seda que ligava ao resto do mundo. Como se estivessem sozinhos, ele sentou-se ao lado do homem solitário. “Não vou deixar você”, disse ele, “porque não quero e porque você não quer que eu me vá”. O jovem não respondeu, apenas segurou sua mão e disse “Talvez agora eu consiga ir”, pensou.

      Mas para isso ele precisava ser definitivo em suas escolhas, sem se dar o luxo de errar. A única maneira de evitar o eterno prolongamento das coisas era ser interrompido bruscamente, e foi o que ele fez, dando alguns passos e atirando-se na frente da grande serpente de aço, desaparecendo para sempre.

      Nos últimos segundos, percebeu horrorizado, que o perseguidor o abraçava pela cintura, em um sacrifício gêmeo. “Para sempre”, sussurrou. Mas depois apenas houve o escuro.

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